quarta-feira, julho 23, 2008

Passos e marés lunares

Furei a porcaria da bota na pedra pontiaguda que se avizinhava há mais de dois milhões trezentos e dois mil oitocentos e cinquenta e três passos e meio... Afigurava-se-me pontiaguda quanto mais passos acertava caminhante, mas assim mesmo pensei ser uma ilusão de óptica na minha plena cegueira que me acompanha desde a infância... Furei a porcaria da bota enquanto tentava chegar ao mar imenso, sedento por mergulhar na verdadeira vida sem ter que pedir explicações para ser capaz de contornar a moldura sem rosto pendurada na parede da madre de Calcutá... Essa, vi-a um dia na fotografia que quase adquiri, obrigado, quando uma vendedeira que quase me vendeu um melão verde não tinha troco para se pagar da nota de trezentos e dois dinares venusianos que lhe depositei na mão encurvada que se me estendeu... Avançou com a dita fotografia como troco... Fiquei meio baralhado, mas... não tem antes uma pastilha pirata?, perguntei na maior das expectativas... Afinal já há mais de trezentos e cinquenta meses que não mascava uma dessas e era agora a oportunidade... não, mas se quiser esta foto!!!, disse a senhora convencida que se livraria da brochura... não, assim sendo quero mesmo o meu dinheiro e devolvo-lhe o melão, não quero saber de santinhos e santolas, respondi eu já com os olhos fora de órbita e as glândulas salivares a espumarem... Por vezes era assim, não tinha paciência para as viagens às Berlengas em barcos de borracha fabricados em Vénus e por isso me saltou a tampa fazendo com que a vendedeira se sentisse ameaçada... Fiquei sem o melão verde e ela com a de Calcutá em foto desbotada... Mas as botas ainda estavam para durar pois faltavam por esta altura quinhentos e cinco mil seiscentos e vinte e cinco passos para furar a porcaria da bota esquerda... A direita?! Isso é noutra viagem sem pedras, mesmo que pontiagudas...